ÍDOLOS DO BRASILEIRÃO #5: Sócrates, Corinthians.


“Para Sócrates, a bola foi um adorno aos livros na sua infância, incentivado pelo pai – admirador de filósofos gregos –, para que exercesse uma profissão digna. Sempre lhe atraiu a medicina, mas seu talento não estava nas mãos e sim nos pequenos pés, tamanho 37, estranho para alguém com 1,90 de altura”. O periódico espanhol, El País, referiu-se assim à Sócrates, o Calcanhar de Ouro.

Era quatro de dezembro de 2011, o Corinthians era líder do campeonato brasileiro de futebol, e se empatasse com o Palmeiras naquele domingo, seria mais uma vez campeão nacional. Eram 4h30 da manhã, Sócrates estava internado na UTI do hospital Albert Einstein, em São Paulo, uma infecção intestinal o internara desde o dia primeiro de dezembro. Uma luz intensa ilumina seu quarto. Sócrates assusta-se e abre os olhos. A clareza bloqueava sua visão. Aos poucos, a luz foi perdendo a sua intensidade, e o frio tomou conta do quarto, uma leve bruma tomara conta do recinto. Enfim, Sócrates conseguira enxergar parcialmente, eis que a figura de um homem negro, esguio, vestindo uma camisa de flanela, completamente abotoada e uma calça social, no entanto, o homem calçava chuteiras, amarradas com um leve laço de sapato. Só podia ser ele.

─ Didi? ─ sussurrou Sócrates, a voz já fraca.

─ O Folha Seca em pessoa, Sócrates. ─ Respondeu Didi, o tom de voz era elegantíssimo, como de costume.  Levantou-se e caminhou até o lado do doutor, deu-lhe a mão. Sócrates sentou-se em sua cama, olhava maravilhado para Didi, só podia ser sonho.

─ A que devo a honra de tão ilustre visita? ─ disse Sócrates, tossindo, sua situação não era das melhores.

─ Vim a pedido de um amigo. Há dez anos recebi uma visita como essa ─ contou Didi, tinha a aparência do seu auge no futebol, e não do velho maltratado pela doença que terminou seus dias  Leônidas da Silva bateu à porta do meu quarto de hospital em Vila Isabel, foi uma das melhores conversas da minha vida. Minha situação era pouco pior que a sua. ─ terminou.

Sócrates estava confuso, "O que diabo este crioulo quer aqui? Devia estar enterrado há sete palmos, eu estive no enterro!". Pensou no pior. Era o pior? Era. Magrão se deu conta disso e não soube o que fazer.

─ O que você quer? ─ bradou Sócrates, bem mais rude do que antes, quase um grito.

Didi franziu a testa. Abriu um leve sorriso e sentou-se ao lado do amigo.

─ Tive a mesma reação ─ disse às gargalhadas ─ Esse meu amigo, Sócrates, gosta muito de jogar futebol. Mas o coitado é grosso, nem jogando ao meu lado, nem ao lado de Friedenreich e Heleno consegue se destacar. Nem mesmo o grande Leônidas conseguiu ajudá-lo.

Sócrates soube quem era o amigo no primeiro momento, engoliu a saliva seca. Suava frio.

─ Abriu uma vaga no meio campo, Magrão. É pra agora. ─ terminou Didi.

Sócrates ouviu tudo calado. As lágrimas correram. Lembrou dos seus três campeonato paulistas que conquistou defendendo o Corinthians. De todos os gols, de todos os passes. Lembrou de 1982 e de Paolo Rossi. Pensou em sua esposa, "não deve estar dormindo", pensou no sorriso dela.

Didi levantou-se. Um clarão enorme iluminou tudo atrás dele.  Estendeu a mão para Sócrates.

─ Com uma condição ─ disse o doutor ─ quero ver o Corinthians sendo campeão hoje.

Didi sorriu.

─ Acho que não será problema ─ disse o príncipe ─ mas vamos logo, que o jogo já começou.

Desapareceu. Sócrates o seguiu, olhou para trás e viu seu corpo deitado na cama, sereno. "Uma ótima forma de morrer", pensou, as lágrimas já não existiam mais. E entrou na luz. Sentiu-se livre. Ouvia o barulho de uma torcida ensandecida, que gritava incontrolavelmente. Sentiu-se no túnel do Pacaembu outra vez.

"A gente acredita que nossos heróis não morrem. Compra gibi e o super-homem nunca morre. Acordei hoje com a mensagem de que o super homem não está mais aí. É difícil."
Casagrande, ex-companheiro de Sócrates no Corinthians.

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